Service Design Case Study: EBA12h — experiência em Design e economia solidária

Maria Carolina Barbosa
13 min readFeb 25, 2020

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Durante o segundo semestre de 2018, como aluna da graduação em Design/Programação Visual da Universidade Federal da Bahia, cursei a disciplina Desenvolvimento do Projeto de Programação Visual II que propôs como principal atividade avaliativa a criação de um produto/serviço em Design que possuísse um impacto social positivo. A partir dos estudos e conceitos do Comércio Justo e Economia Solidários, e da abordagem do Design Thinking, o discente então transitaria por diversos âmbitos da atividade projetual para que ao final suas pesquisas culminem em um serviço real e rentável.

Este artigo tem o intuito de descrever cada etapa desse processo demonstrando que o projeto de Design caracteriza-se majoritariamente por um exercício de processos mais mentais do que manuais, investigando questões e cenários problemáticos por diversos ângulos e perspectivas abrangendo, portanto, de forma multidisciplinar, não apenas o requisito estético, mas também o funcional e o científico.

Como produto/serviço foi escolhido então o desenvolvimento de um evento na própria Escola de Belas Artes da UFBA intitulado EBA12h que propôs um espaço de cocriação, troca e aprendizado através da realização de um dia de workshops com foco nas áreas de Arte e Design não só para os alunos e professores da própria escola como também para a comunidade externa.

Comércio Justo e Economia Solidária:

Caracteriza-se por Comércio Justo a relação de troca, findada no diálogo respeito e transparência surgida na década de 60 na Holanda a partir da Fair Trade Organisatie: modelo de negócio mais igualitário no comércio internacional, com a contribuição para o desenvolvimento sustentável e a garantia dos direitos dos pequenos produtores e trabalhadores marginalizados como demonstrado na cartilha de Multiplicadores do Comércio Justo e Solidário e Sistemas Participativos de Garantiana Rede de Saúde Mental e Economia Solidária, produzida em 2017 pelo Instituto Integra para o Desenvolvimento.

No Brasil, tornou-se Comércio Justo e Solidário, que tem como base relações democráticas de trabalho e o desenvolvimento local de maneira que não prejudique o meio ambiente.

Juntamente com a Economia Solidária, “outro meio de produção cujos princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual” (SINGER; 2002, p. 10), busca dividir os recursos das vendas com os membros do empreendimento de forma correta e igual, pois trabalham de maneira conjunta.

Entendendo o problema…

Apesar da quantidade restrita de cursos e da pequena extensão do campus da Escola de Belas Artes (tendo como parâmetro outros campus da Instituição Federal), a falta de integração entre a comunidade da EBA era uma verdade. A demanda por estes espaços de interação partia não apenas dos próprios alunos, mas também dos docentes da Escola. Geralmente, um contato mais próximo entre todos advinha da promoção de eventos de grande porte na faculdade, o que infelizmente não acontece com certa freqüência.

Era notório também que a falta de comunicação efetiva internamente afetava uma ampla troca de conhecimentos, referências e a noção do que estava sendo produzido atualmente no espaço estudantil.

No livro “Isto é Design Thinking de Serviços” (2014), Marc Stickdorn e Jakob Schneider, defendem que o projeto de um serviço se caracteriza por 5 pontos fundamentais para o estabelecimento de soluções mais eficientes. São eles:

Abordagem metodológica:

Diferentemente de um briefing tradicional, o a abordagem do Design Thinking visa um estudo complexo e completo do ser humano e suas necessidades. Através da extração de suas dores, alegrias, comportamentos, o mesmo procura se apresentar em um processo dividido em três etapas não lineares de desdobramento projetual: imersão, ideação e prototipação, proporcionando assim um contínuo da inovação. Vale salientar que as etapas estão passíveis de acontecer sem necessariamente seguir esta ordem previamente citada.

A fase preliminar foi realizada por meio do preenchimento de 4 canvas, seguindo a respectiva ordem a seguir:

Respectivamente, Canvas PMC e Proposta de Valor elaborados para o EBA12h
Respectivamente, Canvas BMG e Fluxonomia 4D elaborados para o EBA12h

Pós preenchimento dos canvas acima, partindo da investigação de referências conhecida como Pesquisa Desk, para conhecer melhor o cenário da EBA, foi realizada uma entrevista semi estruturada por meio da aplicação de um formulário online o qual eu procurei fazer um breve estudo de público alvo com o intuito de descobrir suas dores, sensações a partir da apresentação e contato com o produto, feedbacks positivos e negativos, etc.

A maioria deixou explícita a sua insatisfação com a falta de periodicidade nos eventos com foco nas áreas de Arte e Design realizado em Belas Artes e má divulgação interna e externa (em outros campus e universidades). Também pontuaram que quando ocorriam esses eventos, havia uma repetição temática de oficinas e palestras além das mesmas não oferecerem um conteúdo mais amplo e diferente do que era encontrado em sala de aula — promover esse diferencial foi também uma das propostas do EBA12h..

Oficina "O Tipo Caligráfico" ministrada pelo professor e designer Fábio Kátia Flávia no EBA12h em sua edição final (MVP 2).

Ainda com o intuito de investigar o público-alvo e suas necessidades, foi realizada uma nova forma de abordagem, mais dinâmica. O Pro Action Café consiste em uma metodologia de conversação em grupo cujo propósito maior é o desenvolvimento e aperfeiçoamento de idéias e questões importantes para os participantes.

Em 27 minutos de conversa, as opiniões arrecadadas além de propor um evento aberto para o público, reforçaram as opiniões insatisfeitas obtidas através do formulário online, como dito anteriormente. Também propuseram o convite para palestrantes externos e/ou alunos formados pela Escola para que os participantes possam, além de saber das linhas de pesquisas existentes na Academia, terem um panorama do mercado de trabalho criativo atual.

Primeiro MVP — 19/10/2018:

Com alguns dados e opiniões já coletados advindos das pesquisas, entrevistas e dinâmicas, foi então realizado um pequeno teste do evento EBA12h. Uma versão pocket composta por duas oficinas e uma mesa redonda nas áreas de Design. Com duração de apenas 4h devido ao cancelamento de uma palestra prevista para acontecer no turno da tarde, obtivemos o suficiente para testarmos dois pontos cruciais na organização do evento: a dinâmica de oficinas acontecendo ao mesmo tempo e a adesão à uma taxa de inscrição cobrada no momento com valor de cinco reais.

Todas as oficinas estavam previstas para acontecerem nas salas do Casarão da escola em virtude de não haver uma ideia de “separação” dentro do evento, para que a integração proposta entre a comunidade da Escola se dê de maneira mais efetiva com o acontecimento focado em um mesmo ambiente, a exemplo das Feiras Paraguassu e Trato. No entanto, com a ocorrência de um imprevisto, a mesa redonda precisou acontecer no Pavilhão de Aulas Mendonça Filho.

Tal acontecimento comprovou que foi de extrema importância a continuidade da proposta dos workshops acontecerem em um único pavilhão, pois a distância entre os prédios do campus possibilitou uma falta de unidade e conversa entre as atividades propostas, além de que algumas pessoas não conseguiam localizar a sala por não conhecerem determinadas salas de aula da Escola de Belas Artes, mesmo que devidamente sinalizados.

Placas Sinalizadoras das atividades do EBA12h utilizadas em seu primeiro MVP

Seguindo o padrão visual estipulado anteriormente as placas sinalizadoras do EBA12h procuraram, por meio de uma linguagem próxima do consumidor do serviço, guiar os participantes do evento de maneira simples e objetiva também o levando a conhecer melhor a estrutura da Escola.

Também foi proposto um caderno de sugestões para que os participantes pudessem deixar seus feedbacks sobre a sua experiência no local. O ponto mais destacado foi a ocorrência do evento no dia de sexta-feira visto que a freqüência do campus era baixa pois não ocorrem aulas às sextas, o que corroborava na falta de público para os eventos, mesmo por parte daqueles que realizaram inscrição prévia. Porém, a maioria das oficinas inscritas para o evento piloto até então, demandavam de salas de aulas para acontecer, e durante os demais dias da semana praticamente 100% destas se encontravam ocupadas em função do calendário acadêmico.

A realização do MVP serviu, portanto, para perceber que a dinâmica de oficinas acontecendo ao mesmo tempo e a presença de uma taxa de inscrição única funcionam, porém uma melhoria aplicada seria a realização dos workshops e mesas redondas tidas como favoritos em turnos distintos para que todos possam participar de ambos.

De volta à pesquisa:

Com isso, a partir do momento que pude presenciar a interação do público com o espaço do fato, resolvi realizar um Mapa de Empatia. Com a feitura do mapa, foi possível identificar claramente as demandas e principais incômodos do público interno e externo à EBA o que proporcionou uma melhor visualização de possíveis estratégias específicas para soluções futuras para um segundo MVP, dessa vez no dia 30/11/2018.

Por conseguinte, para verificar a consistência e a aplicabilidade dessas possíveis soluções de melhoria da experiência do consumidor, foi realizada uma Análise SWOT da proposta do EBA12h o que possibilitou ter uma confirmação da posição estratégica do serviço para seu próximo piloto.

Análise SWOT para o EBA12h

Do discovery para o planejamento:

A execução de um evento requer extrema preparação e pesquisa para que o máximo de necessidades seja atendido e o usuário possa desfrutar da melhor experiência possível. Para que isso aconteça, existe uma série de processos e parceiros de planejamento que agem em conjunto para que o serviço ocorra.

O Mapa de Serviço é uma das ferramentas que auxilia também a visualização completa do serviço na prática, mapeando as principais funções de maneira simples e de fácil compreensão para auxiliar o organizador no processo de decisão de qual a próxima coisa a ser realizada/pessoa que poderá ajudar para que o projeto se efetive. É então dividido em três etapas: pré; durante e pós serviço, o que sintetiza visualmente de maneira dinâmica todas as instâncias de seguimento projetual.

Este, por sua vez foi elaborado com base e objetivo de cumprir e se adequar aos objetivos do Comércio Justo e Solidário de co-responsabilidade nas relações comerciais entre os diversos participantes da produção, comercialização e consumo; correta e adequada comunicação e informação ao consumidor além da solidariedade e integração entre os elos da cadeia produtiva.

Mapa do Serviço para o EBA12h

A fase de ideação do serviço se deu de maneira bastante colaborativa. A partir do engajamento do público por meio das redes sociais e conseguintemente do número de inscrições, foi possível perceber e realizar, juntamente com a equipe de monitores, um posicionamento estratégico de marca de maneira eficiente.

Divulgação do 2º MVP do EBA12h realizada via Instagram (@eba12h)

Com o prévio desenvolvimento do modelo de negócio, juntamente à proposta de valor, tornou-se mais claro delinear de que maneira o aprendiz entrará em contato direto com o evento. Para isso, foi utilizada a ferramenta de Jornada do Usuário que possui em sua construção a necessidade de reconhecimento de todos os pontos de contato e evidências físicas em que o consumidor interage com o serviço.

A partir daí, fazem-se conexões entre os pontos delimitados, detalhando a evolução das etapas do processo até a conclusão do serviço. Para o EBA12h foram construídos dois mapas de jornada do usuário: um para aprendizes e monitores e outro para facilitadores dos workshops visto que os dois atuam em etapas distintas do percurso.

A partir da definição e uma listagem das principais parcerias do projeto, foi analisada a forma como eles interagiam entre si.

Por estar utilizando a metodologia do Mínimo Produto Viável novamente, as considerações sobre o EBA12h POCKET foram revisitadas para que fosse possível mapear e ordenar quais as prioridades e melhorias para o evento propriamente dito (MVP 2). O período de ideação serviu mais justamente para o fortalecimento da divulgação da marca a partir das plataformas digitais além do estreitamento de parcerias para tornar o evento cada vez mais coletivo e de todos.

O foco do teste do segundo MVP foi ver se o público esperado de acordo com o engajamento nas redes correspondia ao público participante de fato, o que não ocorreu de maneira satisfatória na versão pocket. Para além da freqüência também procurou ser analisado o quanto o evento geraria de renda para melhor contabilização e redução de gastos futuros com estrutura/materiais.

Implementação ou segundo MVP — 30/11/2018:

Após estabelecimento da marca, das estratégias de desenvolvimento do serviço, dos conceitos que os regem e dos layouts para cada ponto de contato, chegamos à última etapa da abordagem do Design Thinking que é a prototipagem e implementação.

Esta é a etapa a qual a idéia inicial é de fato concretizada em todos os âmbitos, desde os modos de veiculação de marca e seu plano de comunicação até deliberação das necessidades para o acontecimento de próximas edições do evento, portanto foi necessário um cuidado especial com todos os detalhes.

Segundo Stickdorn e Schneider (2014, pág. 206) o Blueprint de Serviços cumpre a função de esquematizar e detalhar cada aspecto de um serviço de maneira individual. Para o EBA12h, a ferramenta possibilitou a visualização e melhor entendimento do serviço antes de implementá-lo, de modo a facilitar também o direcionamento de etapas para a execução de uma nova edição do projeto.

Como toda a dinâmica do EBA12h foi pensada com o propósito de proporcionar uma boa experiência não só para o usuário, mas também para a equipe organizadora nos períodos de pré; durante e pós evento, todas as ações tomadas no período de prototipagem do serviço foram decididas de forma colaborativa e transparente uma vez que cada stakeholder possuiu um papel crucial no desenvolvimento do segundo MVP.

Finalmente, o EBA12h foi composto por 12 atividades, incluindo 9 oficinas, 2 mesas redondas e o Chuá, evento coordenado pelo Coletivo METEMÃO, que tiveram, em quase todo o seu período de realização, preenchimento total das vagas dispostas ao público.

As inscrições, tanto dos participantes quanto dos monitores e facilitadores, foram realizadas previamente online. No credenciamento, com o intuito em proporcionar uma experiência de usuário duradoura além de positiva com a marca e o serviço, foram distribuídos adesivos de participação e kits ilustrativos com os elementos secundários da identidade visual. O que foi bem recebido por parte do público que levaram quase todos disponíveis ainda no início do evento.

Um dos questionamentos apontados durante a construção do plano de projeto era como se daria esse período de 12h de evento, visto que o horário de funcionamento da escola também era algo a se considerar. O evento iniciou suas atividades às 08:00h, porém as oficinas que começaram a ocorrer neste horário obtiveram uma parcela menor de público. O restante das oficinas, por sua vez, acabou excedendo a capacidade de público permitida, era comum encontrar avisos de “lotado!” juntamente à sinalização das mesmas em suas respectivas salas.

Oficina "Ilustração Criativa Digital" ministrada por Tamires Lima no EBA12h
Mesa Redonda "Designers Gráficas: Mulheres Empreendedoras" mediada por Motora Design e Jambo Cadernos no EBA12h

Os estudos de público-alvo durante o período de imersão foram realizados com base nas entrevistas com os alunos e professores dos cursos da EBA e de Design de outras faculdades, a maioria jovem com uma média de 18 a 35 anos, no entanto, pudemos observar no evento final a presença de aprendizes de diversas idades e áreas de conhecimento, como por exemplo alunos e colaboradores dos cursos de Química, Biologia, Engenharia Mecânica, da UFBA e de outras instituições.

Oficina "Aquarela Criativa" ministrada por Danilo Cardel no EBA12h
Oficina "Pintura com acrílica: sobre cores e tempo" ministrada por Tainan Lee e Milena Ferreira no EBA12h
Oficina "Trançando e Destrançando" com Nó de Palha no EBA12h

Feedbacks:

Felizmente, obtivemos somente retornos positivos, alguns feedbacks vieram de maneira bem rápida por meio da direct do Instagram. Enquanto o evento ainda estava acontecendo, os participantes, através de suas postagens, demonstravam a satisfação com o que lhes estava sendo oferecido além de mandarem mensagens ansiosos por uma próxima edição.

Os comentários que não foram registrados de maneira online foram escutados por meio de perguntas e conversas informais após o evento tanto com os aprendizes quanto com monitores e equipe facilitadora.

Feedbacks coletados através do perfil do EBA12h no Instagram

Empreender de maneira solidária e colaborativa foi deveras desafiador. No, entanto provou-se, a partir da colaboração intensa e empenho de todas as partes envolvidas que é possível idealizar e realizar um evento estudantil economicamente viável e ecologicamente correto — dado que a maioria dos materiais utilizados nas oficinas e divulgação física foram 100% doados e/ou reaproveitados.

A troca, integração e aprendizado com toda certeza se estendem para além da experiência de 12h, pois estes são fatores presentes desde o pré ao pós evento em detrimento de ações cruciais de muita coletividade, transparência e pesquisa.

Se você chegou até aqui, muito obrigada! Caso tenha comentários a fazer sobre o EBA12h, fique à vontade, vamos bater esse papo! Até a próxima edição!

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Maria Carolina Barbosa

Brand Designer e Ilustradora | Vê o Design e a ilustração como formas poderosas de promover a criação e evolução de cenários diversos de forma colaborativa.